quarta-feira, 23 de maio de 2012

Economia verde é novo discurso hegemônico, diz pesquisadora




Publicado originalmente na “Carta Maior”

Os defensores da economia verde têm no seu horizonte saber como o capitalismo vai viver para além dos combustíveis fósseis. A economia verde surge como alternativa para viabilizar não só a expansão da atual economia petroleira até seu limite, mas também o controle das novas fontes de energia pelas mesmíssimas empresas e grupos de poder que mandam no petróleo, avalia Camila Moreno, pesquisadora e coordenadora de sustentabilidade da Fundação Heinrich Böll.
Rodrigo Otávio
Rio de Janeiro - “Economia verde é o novo discurso hegemônico. E não agora para a Rio+20. Ela é o marco de aonde a gente vai organizar a nossa resistência, mas também onde nós estamos na história daqui para frente”, resume Camila Moreno, pesquisadora e coordenadora de sustentabilidade da ONG ecológica alemã Fundação Heinrich Böll, sobre um dos temas centrais que deverá ser discutido na Rio+20, conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável que será realizada entre 13 e 22 de junho no Rio de Janeiro.

O discurso oficial do governo brasileiro para a conferência e para o tema, via ministério das Relações Exteriores, é que a economia verde vai definir o debate sobre o desenvolvimento nos próximos 20 anos. Calcada em documentos da indústria do petróleo, a pesquisadora da ONG alemã é novamente mais direta, “a economia verde é intrinsicamente dependente da economia marrom, da economia petroleira”.

“Eles estão operando com um horizonte que vai daqui até 2020, quando vai se definir uma nova arquitetura institucional e financeira tanto na ONU quanto em termos de marcos legais nos países; quanto também um período um pouco mais longo, até 2050, quando se imagina que vai estar realmente dada a transição para uma economia pós-petroleira”, afirmou Camila Moreno durante o seminário Outra economia, outro desenvolvimento, outra cooperação: A sociedade civil rumo à Rio+20/Cúpula dos Povos, realizado pela Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), quinta-feira (10), no Rio.

Para Moreno, o que está em jogo no horizonte é como o capitalismo vai viver para além dos combustíveis fósseis. Assim, a economia verde surgeria como alternativa para viabilizar não só a expansão da atual economia petroleira até seu limite, mas também o controle das novas fontes de energia pelas mesmíssimas empresas e grupos de poder que mandam no petróleo. “Economia verde é fundamentalmente como vai se extrair mais recursos naturais e quem vai controlar esses recursos”, simplifica a pesquisadora.

Histórico do termo

Camila volta a 2005 rememorando como o termo economia verde começou a “cair no colo” da população. “A economia verde nasce quando é lançado um relatório da ONU sobre o impacto econômico das mudanças climáticas. Então são feitos planos de transição para uma economia de baixo-carbono e a principal medida de curto prazo é a aposta nos agrocombustíveis”, diz ela, não esquecendo de ressaltar no contexto do “boom” dos agrocombustíveis a crise alimentar de 2008, anterior à crise financeira de 2009 e 2010. “Só que a ideia de ‘baixo’-carbono não colou depois de 2008, quando a ideia
de ‘baixo’, ‘pequeno’ ou ‘diminuir’ era completamente ao contrário do senso de superação da crise. Então todos os textos de economia de ‘baixo’ carbono foram rebatizados para desenvolvimento verde, e daí ficou o verde”, completa.

Segundo a pesquisadora essa volta ao passado joga luz para se entender como é inseparável o debate de economia verde do debate de clima e energia. Para Camila, “é através da política nacional de clima e dos planos de ação dos países que vai se introduzir a ideia de criação de mercado dos ativos ambientais, perdendo toda a construção política do que é a agroecologia e a disputa de sistemas”.

Precificação e propriedade

E esses mercados são a nova fronteira de acumulação do capitalismo. Como exemplo ela cita o próprio relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), que define o “estoque e o fluxo dos serviços ecossistêmicos” como “constituição” do capital natural. “Ou seja, o ‘estoque e o fluxo de serviços ecossistêmicos’ é a polinização das abelhas, a respiração das aves, a água e a fertilidade do solo”, traduz a pesquisadora, acrescentando que, ainda segundo o Pnuma, “o erro da economia marrom é que até agora ainda não conseguiu dar valor (preço) a esses ativos”.

O enredo se dramatiza quando temos um contexto em que “esses ativos”, os recursos naturais, estão cada vez mais escassos. Aí, salienta Camila, entra “a velha e boa garantia de direitos de propriedade sobre esses ativos ambientais”. Ela alerta que no Brasil a questão está explicitada no novo Código Florestal, quando o capítulo 11 cria o Certificado de Cobertura de Reserva Ambiental e dá poderes aos proprietários de terra com excedentes de reserva legal a registrarem e negociarem essas “sobras” em bolsas de valores, as futuras bolsas verdes.

Contra-ataque

Em um cenário de negociação de “excedentes” ambientais o próximo passo torna-se o acúmulo desses “excedentes”, ao mesmo tempo em que as superpopulações citadinas levam os países a serem obrigados a comprarem pacotes de eficiência energética, fechando o círculo acúmulo e venda de “capital ambiental”. É aí que Camila Moreno aponta um dos remédios contra a economia verde. “Temos que questionar essa visão de que a urbanização é um fato inexorável. O quão ideológico são esses dados que estão sendo construídos inclusive pelo IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, em inglês) que condenam o modo de vida rural e reforçam a lógica estrutural de esvaziar os territórios e levar todo mundo para as cadeias de consumo das cidades?”.

Neoliberalismo tingido de verde de olho na Rio + 20




Em entrevista à Carta Maior, a antropóloga e ambientalista Iara Pietricovsky adverte para os riscos do agenda da chamada economia verde na Rio+20. "O ambiente de crise financeira dos países ricos estaria jogando água no moinho da lógica neoliberal de enxugamento dos estados nacionais também na área ambiental e abrindo generosos parágrafos para o setor privado se credenciar como o principal gestor de um novo paradigma econômico e ambiental", diz.

Rodrigo Otávio

Rio de Janeiro - A antropóloga e ambientalista Iara Pietricovsky faz parte do grupo de articulação da Cúpula dos Povos (evento das organizações não-governamentais que será realizado no Aterro do Flamengo em paralelo à Rio + 20) e tem acompanhado as negociações oficiais das Nações Unidas em Nova York para a redação do documento oficial a ser apresentado na Rio + 20.

O que ela tem visto não é animador. Em um ambiente de crise financeira dos países ricos, os rascunhos do documento abrigam a lógica neoliberal de enxugamento dos estados nacionais ao tratarem e formularem políticas ambientais, e abrem generosos parágrafos para o setor privado se credenciar como o principal gestor de um novo paradigma econômico e ambiental, nessa ordem de importância.

Em entrevista à Carta Maior, Iara classifica a Rio + 20 em geral e a Cúpula dos Povos em particular como momentos cruciais para, a partir de grandes mobilizações populares, questionar esse modelo de “economia verde” e as diferentes vozes iniciarem um processo longo, mas efetivo, de uma nova agenda ambiental e econômica para o século XXI.

O que está em disputa na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio + 20?

É o modelo de desenvolvimento e as opções para um futuro de sustentabilidade para o planeta Terra. O que nós, da Cúpula dos Povos, defendemos é um modelo que significa uma crítica frontal a mercantilização e financeirização da vida. E somos totalmente favoráveis ao aprofundamento da ideia de bens comuns. Ou seja, bens água, bens ar devem continuar sendo bens comuns, que devem ser preservados e não podem ser privatizados e mercantilizados.

E como transformar essas críticas em ações?

Nós estamos há algumas décadas apresentando e constituindo ações e experiências concretas alternativas. Um exemplo bastante evidente é a agricultura familiar, que está relacionada diretamente às questões climáticas, de insustentabilidade, de expansão de gado e desmatamento, esse confronto que está colocado na agenda rumo a um modelo sustentável.

Nós sabemos que a agricultura familiar, a agroecologia, é responsável por 75% da comida que vai ao prato do brasileiro. Ou seja, é real e concreto que esses setores sejam financiados, sejam vistos como fundamentais e estratégicos para o desenvolvimento de uma política pública, porque eles geram empregos, fixam as pessoas no campo, produzem alimentos de qualidade, estimulam comércios locais e processos complementares de produção. É uma alternativa a um modelo que pensa só em grande escala, que pensa em termos de mercado, a plantar soja aqui para os animais lá na China comerem. É outra lógica, e é uma lógica de sustentabilidade, de valorização e de humanização. Estaremos o tempo inteiro defendendo essas alternativas na Cúpula dos Povos, em contraposição aquilo que está sendo defendido pelas grandes empresas e corporações.

Um dos pontos da agenda da Rio + 20 é a questão da governança global dentro desse rearranjo de sustentabilidade e desenvolvimento. O que está inserido aí? Quem vai gerir essa nova engrenagem, e para quem?

Essa é a grande questão. Hoje, da maneira como a coisa está colocada, quem vai gerir isso é fundamentalmente o Banco Mundial, que é uma instituição constituída para aprofundar e construir resposta a esse modelo que a gente vive hoje, que é um modelo que já se provou incapaz de dar solução inclusiva, afirmando o direito de todos e todas a uma vida digna.

Então são instituições financeiras e comerciais - OMC (Organização Mundial do Comércio), Banco Mundial e G-20, como uma instância política que vem formulando também sobre tudo isso, - que não correspondem à necessidade de democratização e participação para a construção de soluções que sejam de fato soluções que beneficiem à totalidade da população e a preservação do planeta. Assim, o que está hoje como cenário de governança global e quem está gerindo essas propostas são aqueles que vêm produzindo esse modelo que está falido.

O que nós queremos é pensar outras alternativas, outra arquitetura internacional que seja feita de forma democrática e reconhecendo a diversidade, as responsabilidades comuns porém diferenciadas dos países na produção deste modelo predador.

Os estados nacionais chegarão a assinar a transferência do poder de gestão ambiental para instituições como G-20 e Banco Mundial? Em quanto essa transferência é reversível? Qual o espaço de manobra para iniciativas como a Cúpula dos Povos interferirem nesse processo?

Eu estou acompanhando o processo oficial da ONU pela Cúpula dos Povos e o que eu estou vendo é um processo de aceleração de uma privatização de todas as definições que produziriam essa transição de um modelo predador para um modelo sustentável. Os estados estão se desobrigando e as grandes corporações se aproximando para serem as responsáveis e promotoras desses novos acordos...

...com documentos oficiais assinados?

Isso está lá no documento (N.R.: Documento oficial da ONU sendo rascunhado em Nova York para a Rio + 20). O documento fala claramente no preâmbulo e no primeiro capítulo sobre economia verde que o principal aliado para a transição de modelo sustentável é o setor privado. E todos os setores organizados dentro do setor privado já estão diretamente participando com propostas, inclusive no desenvolvimento daquilo que eles estão chamando de metas de desenvolvimento sustentável.

Outro detalhe que é fundamental é que nesse documento, que é um documento que tenta articular o pilar social, o pilar econômico e ambiental, ou seja, são três dimensões importantes de estarem aí articuladas, eles estão querendo retirar tudo aquilo que se refere e se afirma pelos parâmetros dos direitos humanos dentro dos direitos econômicos, sociais e culturais, que foram tratados em convenções que todos os países, exceto os Estados Unidos, firmaram.

Esses direitos obrigam os estados nacionais a serem os efetivadores das ações, portanto eles têm que garantir o máximo de recursos disponíveis, de forma progressiva e sem discriminação, para a efetivação desses direitos. No momento em que você tira esses direitos, você diz assim, “muito bem. Vamos universalizar a energia, vamos universalizar acesso a água e tal”. Quem é que vai fazer isso? Os governos não estão presentes, estão em crise, não têm dinheiro. É o setor privado.

Seria uma privatização dos órgãos internacionais de regulação e gestão?

Quando eles colocam uma proposta de que o setor privado é prioridade e de que os direitos serão retirados, você está dando chance e abrindo as portas para que as soluções sejam dadas “business as usual”, quer dizer, dentro dos padrões de negócios que são usados comumente e que já ganharam os governos, compraram os governos e agora estão comprando as Nações Unidas.

Isso, nós da Cúpula dos Povos somos absolutamente contra. Nossa vida não está à venda. Nossa natureza não está à venda. O raciocínio não pode ser esse, o raciocínio tem que ser “os estados têm obrigações, e eles têm que ser mediadores e têm que responder aos interesses públicos dentro de processos democráticos de participação em que todos e todas sejam beneficiados”.

Não é isso que eles estão fazendo. Por exemplo, existe uma proposta de um rascunho dentro das negociações para a Rio + 20 que está definindo quais serão essas tais metas de desenvolvimento sustentável que vão substituir as tais metas do milênio, que já foram uma redução de toda uma série de debates no campo dos direitos.

Então eles estão dizendo assim; “ah, em 2030 nós vamos dobrar o uso de energia renovável”. É tudo sempre em 2030! Ora, o uso de energia renovável no mundo não chega a 4% da energia utilizada por todas as populações do planeta. Dobrar significa 8%. É nada do ponto de vista de soluções concretas, rápidas, de redução do padrão de uso energético da matriz energética baseada em recursos naturais.

Os prazos são menores?

Nós estamos esgotados! A solução tem que ser aqui e agora, “era para ontem”, não é em 2030 você chegar a 50% de um percentual que é insignificante em relação ao tamanho do problema. Essas coisas todas estão lá nos documentos, estão em jogo e estão muito evidenciadas.

Há espaço para sermos otimistas sobre essa irreversibilidade da privatização dos recursos naturais? Só como exemplo, há dez anos a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) era dada como certa e hoje está morta e enterrada. Essa “economia verde” emplaca 2022?

Olha, eu acho o seguinte. Vamos ser otimistas. A gente tem que ter a utopia e tem que sonhar, mas o otimismo para mim está ligado a uma luta consciente, concreta e pragmática que a gente tem que fazer hoje e agora na nossa vida. A gente tem que se informar e a gente tem que mobilizar.

A Rio+20 vai ser um momento fundamental de mobilizar a população, de vir às ruas, de expressar posições às coisas que estão acontecendo, como por exemplo a privatização das Nações Unidas. Ou, por exemplo, não reconhecer a importância de uma outra institucionalidade internacional que de fato lide com esses três pilares, e que o econômico se submeta às necessidades e a dignidade de vida das populações.

O otimismo vem da minha esperança que a população mundial e a população do Rio de Janeiro, a população do Brasil, acorde para a importância de olhar para esse evento que parece ser mais um “eventozinho no Rio”, mas que não é, é um dos eventos mais importantes que definirão, e aí vem um outro otimismo, que eu acho que é aonde a gente pode influenciar a partir da nossa mobilização, a agenda futura dos próximos dez anos.

Quer dizer, como é que a gente vai, primeiro, impedir que esse acordo entre governos e setor privado se realize. E como é que a gente vai dizer “não, não, não. Reconhecemos a necessidade de um setor produtivo, mas que setor produtivo nós queremos? Que estado nós queremos?”. Como nós vamos nos mover para de fato fazer uma agenda futura que responda aos direitos, necessidades, qualidade de vida, e justiça ambiental, social e econômica que as populações têm?

Porque, veja bem, fazer mensuração de mudanças dos estados, dos países, caminhando para um modelo de desenvolvimento sustentável, tudo bem, todo mundo é favorável a isso. Só que, por favor, quem foi responsável historicamente pelo padrão desagregador, predador, que tem no mundo, não fomos nós. Participamos, proporcionalmente, com parcelas ínfimas se você comparar com o que é os EUA do ponto de vista de consumo de energia no mundo e na emissão de gases de efeito estufa etc.

Então, se a gente não fizer uma “metas de desenvolvimento sustentável” que seja para os países ricos, porque eles têm que mudar o padrão de produção e consumo, e obviamente nós também, com responsabilidades diferenciadas, não começaremos a avançar.

Há caminhos para se chegar a essa proposta de responsabilidades diferenciadas?

Aí o Princípio do Rio (documento aprovado na conferência ambiental das Nações Unidas em 1992 listando 27 princípios que reforçam a soberania dos estados nacionais na gestão dos recursos naturais dentro de uma conjuntura preservacionista, inclusiva e democrática), que foi um princípio aprovado na Rio 92, é fundamental, é estrutural, é um eixo que orienta o quê deve ser esse documento. Se esse documento retira isso, por exemplo, você vai estar destruindo a possibilidade de uma agenda que vai mudar efetivamente o padrão de produção e consumo.

O meu olhar positivo e otimista é que a gente consiga influenciar essa agenda, porque nós não vamos resolver isso aqui e agora no Rio de Janeiro, mas sim determinar um processo global, porque aí sim, essas coisas vão mudar, essas coisas vão vir à tona, a consciência pública vai emergir e buscar um novo caminho planetário para os nossos desafios do momento.

Boaventura de Sousa Santos: Rio+20: as críticas




Publicado originalmente na "Carta Maior"

Os documentos preparados pela ONU para a Conferência Rio+20 trazem informações importantes sobre inovações de cuidado ambiental mas as propostas que fazem — resumidas no conceito de economia verde — são escandalosamente ineficazes e até contraproducentes.

Antes da crise financeira, a Europa foi talvez o continente em que mais se
refletiu sobre a gravidade dos prolemas ecológicos que enfrentamos. Toda esta reflexão está hoje posta de lado e parece, ela própria, um luxo insustentável. Disso é prova evidente o modo como foram tratados pela mídia dois acontecimentos das últimas semanas, o Fórum Econômico Mundial de Davos e o Fórum Social Mundial Temático de Porto Alegre.

O primeiro mereceu toda a atenção, apesar de nada de novo se discutir nele: as análises gastas sobre a crise europeia e a mesma insistência em ruminar sobre os sintomas da crise, ocultando as suas verdadeiras causas. O segundo foi totalmente omitido, apesar de nele se terem discutido os problemas que mais decisivamente condicionam o nosso futuro: as mudanças climáticas, o acesso à água, a qualidade e a quantidade dos alimentos disponíveis ante as pragas da fome e da subnutrição, a justiça ambiental, os bens comuns da humanidade. Esta seletividade mediática mostra bem os riscos que corremos quando a opinião pública se reduz à opinião que se publica.

O Fórum de Porto Alegre visou discutir a Rio+20, ou seja, a Conferência da ONU sobre o desenvolvimento sustentável que se realiza no próximo mês de Junho no Rio de Janeiro, 20 anos depois da primeira Conferência da ONU sobre o tema, também realizada no Rio, uma conferência pioneira no alertar para os problemas ambientais que enfrentamos e para as novas dimensões da injustiça social que eles acarretam.

Os debates tiveram duas vertentes principais. Por um lado, a análise crítica dos últimos vinte anos e o modo como ela se reflete nos documentos preparatórios da Conferência; por outro, a discussão de propostas que vão ser apresentadas na Cúpula dos Povos, a conferência das organizações da sociedade civil que se realiza paralelamente à conferência intergovernamental da ONU. Nesta crônica centro-me na análise crítica e dedicarei a próxima crônica às propostas.

As conclusões principais da análise crítica foram as seguintes. Há 20 anos, a ONU teve um papel importante em alertar para os perigos que a vida humana e não humana corre se o mito do crescimento econômico infinito continuar a dominar as políticas econômicas e se o consumismo irresponsável não for controlado; o planeta é finito, os ciclos vitais de reposição dos recursos naturais estão a ser destruídos e a natureza “vingar-se-á” sob a forma de mudanças climáticas que em breve serão irreversíveis e afetarão de modo especial as populações mais pobres, acrescentando assim novas dimensões de injustiça social às muitas que já existem. Os Estados pareceram tomar nota destes alertas e muitas promessas foram feitas, sob a forma de convenções e protocolos. As multinacionais, grandes agentes da degradação
ambiental, pareceram ter ficado em guarda.

Infelizmente, este momento de reflexão e de esperança em breve se desvaneceu. Os EUA, então principal poluidor e hoje principal poluidor per capita, recusou-se a assumir qualquer compromisso vinculante no sentido de reduzir as emissões que produzem o aquecimento global. Os países menos desenvolvidos reivindicaram o seu direito a poluir enquanto os mais desenvolvidos não assumissem a dívida ecológica por terem poluído tanto há tanto tempo. As multinacionais investiram para influenciar as legislações nacionais e os tratados internacionais no sentido de prosseguir as suas atividades poluidoras sem grandes restrições.

O resultado está espelhado nos documentos preparados pela ONU para a Conferência Rio+20. Neles recolhem-se informações importantes sobre inovações de cuidado ambiental mas as propostas que fazem — resumidas no conceito de economia verde — são escandalosamente ineficazes e até contraproducentes: convencer os mercados (sempre livres, sem qualquer restrições) sobre as oportunidades de lucro em investirem no meio ambiente, calculando custos ambientais e atribuindo valor de mercado à natureza. Ou seja, não há outro modo de nos relacionarmos entre humanos e com a natureza que não seja o mercado. Uma orgia neoliberal.


Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

segunda-feira, 21 de maio de 2012

A eleição para conselho tutelar e a problemática da infância e da adolescência




No próximo domingo (27), ocorrerá a eleição para eleger os conselheiros tutelares de todas as zonas de Manaus. Com a data, surge uma boa oportunidade para repensar o papel que este instrumento pode jogar para a cidade e, também, problematizar a questão da criança e do adolescente na capital do Amazonas.

Ao pegar o gancho de que este ano também ocorrerá a eleição para prefeito e vereadores, é importante resgatar a atuação do executivo e do parlamento municipal no tocante a essa questão. E, infelizmente, a maior discussão que houve nesse sentido foi a grande piada na qual o prefeito Amazonino Mendes tratou essa problemática: a promessa das 1.000 creches, reduzida para 100 no início do ano. A adjetivação aqui lançada não se dá pela quantidade divulgada – até porque há demanda real para isso -, mas pela patifaria com a qual o prefeito tratou o assunto, não colocando se quer dois tijolos na construção da primeira creche.

Uma segunda questão a se tratar é quanto à situação de milhares de pessoas em idade período de infância e adolescência que, pela condição de risco sócio-econômico em que se encontram, são proibidas de viverem a própria infância e a adolescência. Apesar das políticas sociais e de distribuição de renda do governo federal terem alcançado inúmeras famílias em Manaus, ainda estamos longe de ver todos os nossos “brasileirinhos” desenvolvendo seus potenciais artísticos, culturais, científicos, tecnológicos e emocionais. Muitos ainda não tiveram, de fato, o direito à infância e à adolescência e perdem seus anos na mendicância em sinais de trânsito, bares & restaurantes, pelas ruas do centro da cidade e demais lugares onde a única coisa que absorvem é o sentido da violência, marginalidade e exclusão.

Diante disso, chega-se ao ponto de buscar novos parâmetros para a atuação dos conselheiros. Conhecidos pelo trabalho realizado com foco naqueles que estão expostos às situações mais degradantes, como prostituição, envolvimento com bebidas alcoólicas, drogas, tabagismo, assaltos, etc., os agentes desses órgãos têm pela frente o desafio de atuar em outra esfera: o da promoção de oportunidades para os pequeninos que estão distantes delas. E há variadas possibilidades para isso. Desde a realização de projetos sociais em parceria com comerciantes de suas zonas e os movimentos populares ali atuantes, como na aquisição de verbas de dezenas e dezenas de programas do governo federal para realizarem, diretamente, trabalhos nas áreas de saúde, educação, esporte, lazer e cultura. Além de se apropriarem do direito que já lhes são concedidos de apresentar emendas ao orçamento municipal a fim de direcionar verbas para as mesmas finalidades.

Boa sorte a todos os candidatos e que venham a ser, efetivamente, braços fortes na construção dos muros de cidadania ainda negada para muito dos nossos pequeninos.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Os limites e os desafios da luta das mulheres



Acompanhei, mês passado, alguns debates sobre as questões levantadas pelos movimentos de mulheres nacionalmente. Me impressionou a qualidade dos debates propostos e, mais ainda, a contribuição que as ativistas das causas femininas deram à humanidade ao longo dos 100 anos desse movimento. Abaixo pontuo algumas.

A primeira diz respeito aos consensos que a luta das mulheres ajudaram a formar na sociedade ao longo de um século de ativismo. Fruto da iniciativa de mulheres que ousaram se colocar à frente de seus tempos e passaram a enfrentar com o próprio peito as causas que lhe oprimiam, chegamos ao século XXI com uma Lei específica que trata e prevê punições àqueles que agridem mulheres (Maria da Penha). Além disso, fizeram o capital dá o braço a torcer para as particularidades femininas no mercado de trabalho e hoje dispõem da Licença Maternidade. E mais do que letras mortas, o entendimento dessas conquistas fazem parte do senso comum, tal a profundidade com que homens e mulheres absorveram esse direito adquirido.

Em se tratando da Conferência sobre a Emancipação da Mulher, realizada pela segunda vez pelo PCdoB, chama atenção a diretriz das discussões que participei. As mobilizações para essa conferência se deram em torno de alguns eixos de debates, sendo o principal deles sintetizado na seguinte dualidade: emancipação feminina x emancipação humana. A conclusão disso diz que os direitos reivindicados pelas mulheres ainda não chegaram por conta dos limites impostos pelo capitalismo; e que tanto as mulheres como qualquer outro segmento entendido como minoria só chegará próximo das condições desejadas num sistema sócio-político-econômico que tenha como meta a emancipação do homem, isto é, com o socialismo. Vale ressaltar que o conceito de emancipação humana defendido e propagado pelos comunistas é o um poor de oportunidades para que as pessoas venham desenvolver seus potenciais artísticos, culturais, desportivos, religiosos, científicos, etc; algo que nos marcos do capitalismo é resguardado apenas às elites.

Com a conclusão apontada acima, a Conferência do PCdoB sobre a Emancipação da Mulher jogou para mais adiante uma discussão que geralmente é feita de forma superficial e rasa. Os comunistas tiraram o X que põem em duelo homens e mulheres para propor o seguinte olhar: da mesma forma que os direitos trabalhistas assegurados há décadas não são o suficiente para dá a dignidade plena ao trabalhador, o objetivo maior das mulheres não pode ficar sintetizado em buscar equidade salarial, fim da violência, ampliação da Licença Maternidade, etc.; porque o nó da questão está num modelo econômico excludente e cujo aparato difusor de cultura (meios de comunicação, escola e outros) disseminam conceitos que ajudam a perpetuar tal realidade. Por isso, dizem meus camaradas, as lutas específicas de cada segmento precisam está entrelaçadas com uma comum e mais geral: a de solapar a estruturas do capitalismo e erguer outra, que tenha o homem e não o mercado como fim em si.

Parabéns a Secretaria Nacional de Mulheres do PCdoB e uma ótima etapa nacional da conferência, que será realizada neste fim de semana.